A história recente da língua portuguesa na Galiza pode ser vista como uma tentativa experimental de “pedagogia linguística inversa”, onde se assumiu aprioristicamente a condição infantiloide dos falantes de galego e da população do território em geral. Esta reflexão parte, claro está, da “pressuposição de inocência” dos artífices do grande campo de experimentação galego de pedagogia linguística inversa (desenvolvida sob as etiquetas de “normativización” e “normalización”), a quem não atribuiremos, de início, uma intencionalidade linguicida e etnicida oculta que, no entanto, é resultado patente do experimento iniciado faz já 30 anos.
Lembremos que em 1979 o governo pré-autonómico da Galiza estabelece uma Comissão Linguística sob a presidência do Professor Carvalho Calero. Esta Comissão elabora e apresenta em 1980 umas “Normas Ortográficas” que, sem rachar com boa parte da tradição gráfica anterior, deixam aberto caminho para uma progressiva aproximação ao sistema do ibero-românico ocidental no qual a língua da Galiza se insere. Em um verdadeiro golpe de estado interno, a Real Academia Gallega realiza, sob a pressão do seu presidente, o então Delegado do Governo espanhol García Sabell, e do Instituto de la Lengua Gallega, impulsionado sob os auspícios do novo governo autonómico, uma reunião anti-estatutária em 3 de julho de 1982 na qual são aprovadas umas novas “Normas”. Estas pautas ortográficas foram elaboradas de forma secreta polo Instituto de la Lengua Gallega estabelecendo uma linha claramente oposta à marcada dous anos antes polos membros da Comissão presidida por Carvalho Calero.
As “Normas” isolacionistas ILG-RAG, que forçam uma separação artificiosa frente ao português através da aproximação com o espanhol, são impostas administrativamente por meio de um decreto ilegal do então Conselheiro de Cultura, o Sr. Filgueira, promulgado em 20 de abril de 1983 e impugnado no Parlamento polo deputado Lopes Garrido. A lógica expressa desta manobra, em palavras de um dos seus promotores, Ramón Lorenzo, é: “No nos interesa una normativa para que nos entiendan en Angola, Mozambique o Brasil” (La Voz de Galicia, 4 de julho de 1982).
A justificação oficial dos “cientistas” da pedagogia linguística inversa (entre eles destacados membros do atual “establishment” universitário como Antón Santamarina ou o citado Ramón Lorenzo) foi a de que a melhor forma de consolidar a língua da Galiza frente à pressão aguda do espanhol era... assumir a ortografia do espanhol! Assim, as crianças (e galegos em geral) familiarizados com a ortografia espanhola não teriam capacidade cefálica suficiente para assimilar novas convenções (nh, lh, j, g, ç, ...) polo que qualquer tentativa de aproximar a escrita emergente à de uma língua internacional de ciência, cultura e negócios seria “un esforzo antieconómico, diferencialista, abocado a non ter éxito nas condicións obxectivas -e non negativas- en que estamos” (palavras de Juan José Moralejo). Isto contrasta com a visão defendida publicamente antes da sua conversão ao “paradigma inverso” por pessoas como o próprio Lorenzo, que propunha que na Galiza se adotassem grafias como o nh, lh, g e j: “En Galicia somos moitos os que queremos esta xuntanza [das letras galegas às portuguesas]” (Vieiros, n.º 2, 1962).
A lógica paradoxal da pedagogia linguística inversa assumia (e ainda assume) que para obter um resultado positivo (recuperar e dignificar a língua da Galiza após séculos de silenciamento, supostamente) a intervenção mais apropriada seria aplicar uma sugestão negativa (i.e., distanciar todo o possível o padrão oral e escrito da variedade internacional da língua, cultivada e bem implantada no estado nacional limítrofe, adotando, contrariamente, os critérios gráficos e fonéticos da língua de contato que vem erodindo a própria). Segundo as pretensões científicas dos laboratórios de experimentação inversos, em poucos anos a língua da Galiza teria recuperado o seu vigor social como língua isolada em feliz bilinguismo harmónico.
No entanto, quando se cumprem 30 anos do início da aplicação da pedagogia inversa no campo de experimentação galego, é possível verificar os resultados dramáticos que apontam para um autêntico linguicídio (intencionalmente planificado ou não), uma vez que o uso real -e cada vez mais corrompido- do galego (ou português galego ou português da Galiza) entre as gerações jovens e as camadas urbanas está-se tornando um fenómeno minoritário. O fracasso é evidente se os objetivos públicos eram honestos. O experimento deve parar.
É necessário substituir a lógica perversa e macabra da pedagogia inversa por uma pedagogia racional e de utilidade para a língua da Galiza. Não se trata já de aplicar os critérios científicos da romanística adotando uma ortografia coerente com o lugar que uma língua ocupa dentro de um sistema, mas apenas o critério do sentido comum. Este processo não precisa ser traumático. Ninguém vai pedir as cabeças dos “mengeles” galegos.
A ortografia comum, ratificada no Acordo Ortográfico, deve ser introduzida gradualmente nos programas escolares em andamento e desde o início nas novas incorporações escolares. Professores e alunos são suficientemente inteligentes para assimilar rapidamente as diferenças. Com uma fração dos recursos de “política linguística” jogados ao lixo nas últimas décadas financiando meios de comunicação hostis à língua ou desenvolvendo campanhas publicitárias absurdas seria possível aumentar o corpo já existente de docentes bem treinados incorporando novos profissionais que poderiam atuar com uma pedagogia eficaz e inovadora no ensino, na administração, nos meios de comunicação, etc.
A Galiza seria bem acolhida e usufruiria o que o universo extenso e útil da nossa língua tem para oferecer: literatura, manuais científicos, cinema, música, televisão, rádio, ... facilmente introduzíveis em nosso território graças às novas tecnologias. Conscientizados, os falantes da língua da Galiza estariam prontos para assumir as vantagens competitivas que esta ferramenta proporciona no âmbito emergente da Lusofonia, abrindo oportunidades de trabalho e negócios não só em países como o Brasil, Angola, Timor, Moçambique ou a própria China, mas no resto do mundo que, cada vez mais, quer ter presença no mencer lusófono.
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Quero aplicar a miña ciencia á lingua para pintar a face do noso maior ben colectivo: o galego
domingo, 22 de xaneiro de 2012
Pedagogia linguística inversa
por Joam Evans Pim, no Galicia Confidencial:
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