por Carlos Calvo, no Sermos Galiza:
Os relatos do “contrato social” o “consenso” ou a “democracia” constituem a cobertura mitológica –a sociodiceia- de origem arbitrária e violenta dos regimes políticos que nos governam, como o saído da Transiçom. “A cada instante da sua existência –dim os Tiqqum-, a polícia lembra-lhe ao Estado a violência, a trivialidade e a obscuridade da sua origem”. O regime lingüístico galego, saído da criaçom da Autonomia e que arrastamos até hoje, nom é umha excepçom. Instaurado de jeito autoritário polos sobreviventes do franquismo contra um modelo prévio mais democrático e contra a vontade da imensa maioria da gente implicada na restauraçom do idioma –professorado, sindicatos, associaçons culturais, partidos políticos, intelectuais, etc.- a essência do Decreto Filgueira apreende-se no funcionamento da sua polícia: cumplicidade com os incumprimentos a nível normalizador; guerra aberta contra a heterodoxia normativa. Nengum professor foi sancionado por negar-se a dar as suas aulas em galego em quanto se perseguia todo um colectivo que dava ao seu alunado umha visom mais plural da língua galega.
Sem entrarmos a detalhar a evoluçom da situaçom até hoje, o certo é que este dispositivo resultou altamente eficaz para os interesses espanholistas: criou um campo de confronto no seio do “galleguismo”, politizou e fanou o debate científico, filologizou o activismo lingüístico e polarizou-no entre duas escolhas ortográficas a “todo ou nada”. Em resumo, criou umha armadilha. Nom tanto polo mais ou menos evidente “divide e vencerás”, como porque configurou umhas regras do jogo tais que no melhor dos casos só nos é possível ir “de vitória em vitória até a derrota final”.
Hoje, após décadas de guerra de grafias e com o conflito quiçá menos quente e em areias menos áridas, é umha evidencia que nengumha das duas focagens, a reintegracionista e a isolacionista, vai ser capaz a meio prazo de impor-se e criar umha hegemonia sólida. Também o é que activistas de umha e outra opçom amam profundamente a língua e trabalham a diário por revitalizá-la; que vem os confrontos desde a saudável distancia do sentido comum e sabem reconhecer as partes de umha e outra opçom. Que nom precisam partilhar critérios para indignar-se porque por causa da normativa ortográfica lhe neguem subsídios a un periódico galego e lho dem a outros escritos em espanhol. Alguns dos projectos galeguizadores mais recentes –como meios de comunicaçom ou editores- som umha boa mostra de como por baixo esta pluralidade é assumida de jeito natural, respeitando a escolha ortográfica de cada quem e vendo nisto mais umha riqueza do que um problema. Também experiências actuais do soberanismo demonstrárom no seu dia a dia como com sensibilidade e algo de imaginaçom se podem respeitar os dous sentires ortográficos. Se noutras naçons oprimidas, como Irlanda ou o Pais Basco, a precária situaçom das nossas línguas os levou a terem que empregá-las junto com as dos Estados aos que se enfrentam, nom devera ser para nós um drama normalizar o emprego de duas ortografias quando for preciso. De igual jeito que os mesmos pés, dependendo do terreno, podem avançar melhor calçando chinelos ou botas de goma; também o galego pode caminhar melhor com umha ortografia ou outra dependendo do terreno. Ora “galiña”, ora “galinha”, temos duas formas de que nom nos obriguem a dizer “gallina”. Numhas ocasions funcionará melhor umha e noutras outra, simplesmente.
Para atingirmos este novo contexto favorável para todas e todos, onde a cooperaçom prime sobre a competiçom, há que começar polo mais elementar: reconhecer a outra opçom como válida e respeitável; desterrar para sempre categorizaçons que som insultos que mesmo denegam a galeguidade, tais como “português”, “espanhol”, “castrapeiro”, “crioulês”, etc. Criar umha nova sensibilidade e responsabilizar-nos. Esforços e gestos que, como é óbvio, nom serám simétricos em ambas as partes, embora imprescindíveis por igual. Desfilologizar o activismo lingüístico ao mesmo tempo que o âmbito académico levante vetos e censuras ao verdadeiro debate científico. Abandonar a concepçom da “unidade” como “monolitismo”: haverá cousas nas que se coincida e noutras em que as escolhas sejam opostas; nom se trata de fabricar umha normativa de concórdia, trata-se de criar um espaço de respeito, convívio e cooperaçom. Falar e aprender de experiências como a de Noruega, onde convivem de forma oficial duas normativas ortográficas diferentes sem maiores conflitos nem problemas educativos.
Lutar por objetivos amplos de promoçom da nossa língua, como os da ILP Valentim Paz-Andrade –apoiada, por certo, por utentes de umha e outra ortografia- será fundamental de cara aos vindouros anos. Mas também muitas outras iniciativas que nom dependem de hipotéticas maiorias no mercado político. Com audácia e imaginaçom, por exemplo, um grupo de independentistas bascos de Navarra levárom as televisons bascas às suas comarcas sem aguardar por permissos políticos: mercárom umha estaçom de televisom e instalárom-nas eles próprios no monte. Aqui e agora, tampouco fai falta esperar autorizaçons estatais para, por exemplo, levantar o veto ortográfico que subsiste em facultades universitárias, prémios literários ou editoriais.
Em definitiva, seguindo as palavras do que fora o primeiro catedrático de língua e literatura galega, nom se trata tanto de ter que escolher entre umha ortografia e outra como de adoptar umha atitude face à língua autoritária ou democrática.
Carlos Calvo Varela. Topas, 19 de Abril de 2013
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