Quero aplicar a miña ciencia á lingua para pintar a face do noso maior ben colectivo: o galego







venres, 4 de outubro de 2013

O galego urbanizado solicita passaporte

por Joám Lopes Facal, en Praza:

A nossa fala evoca inevitavelmente a aldeia que lhe serviu de refúgio e fonte de transmissom. Para os nascidos na aldeia a fala primeira será sempre o supremo argumento de autoridade: “eu sempre tenho escuitado, na minha aldeia di-se...” A aldeia como garantia intemporal do idioma e da identidade. A Terra de Melide (1933), esse trabalho admirável da geraçom Nós, pode ser lida hoje como umha serôdia homenagem etnográfica á velha cultura oral e instrumental do mundo rural que tem a sua saudosa vitrina aberta nas sossegadas salas do Museu do Povo Galego.

Um extenso e minucioso acervo de vozes rurais extintas enche os dicionários galegos, tam parcos aliás em léxico usual, esse que nos habilita para nomear o entorno quotidiano. Os acessórios domésticos, a fraseologia quotidiana, o discurso político e científico, os informativos de actualidade, carecem de denominaçom certa, estável e partilhada por todos. Perdida o impulso originário que pujo nome a cada cousa e cada recanto do país, o galego titubeia.
A língua é umha criatura inquieta, incontrolável mesmo, ainda que aparente dormida. O celebrado romancista português Valter Hugo Mãe, nascido em Angola e declarado admirador do Brasil, afirmava em datas recentes referindo-se ao grande país americano “é uma lição para os portugueses”, e prosseguia: “Em Portugal, fala-se uma língua mais pudica, ortodoxa. Angola é uma escangalhação. Misturam com dialeto e então vão esquecendo a língua. No Brasil, o uso da língua é mais informal. Inventa-se uma palavra hoje e amanhã ela já está na televisão para todo mundo falar”. Língua incessante, escangalhada ou subtil segundo latitudes; onde fica a nossa própria?
O ano de 1940 em que eu nascim foi, polo que pudem deduzir, bastante sombrio: “vós, nom podedes compreender o que aquilo foi”, diziam-nos. Anos despois soubem que a minha memória infantil fora vítima de umha singular distorçom: a de crer que a imutável sociedade agrária, tam viva e laboriosa, que eu conhecia ia persistir. Dali a pouco discutíamos na Universidade qual era o papel social e o futuro do campesinado. Daquela discutíamos cousas destas. A imagem rural congelada na memória durou apenas vinte anos. Foi apenas um breve lapso de involuçom social que os historiadores dérom em chamar processo de re-ruralizaçom da pós guerra. Despojados de qualquer perspectiva de progresso, os moços sobreviventes que foram parar á tropa como no poema de Celso Emílio eram despedidos dos quarteis e voltárom ao sacho. A sociedade agrária galega experimentou como consequência um enganoso processo de reanimaçom que encheu de gente leiras, adros e feiras. Lembro bem aquele tempo da minha efêmera adolescência aldeá. Foi umha miragem, em 1959 começou a acelerar-se o processo de desenvolvimento europeu e com ele a abertura progressiva da economia espanhola e os primeiros ensaios de desenvolvimento industrial, urbanizaçom frenética e despovoamento rural que acabou emborcando milhares de compatriotas nos caminhos da diáspora. Seguiu-se um certo interregno de bem-estar de bairro periférico, cinema semanal e épica futebolística. O processo de mutaçom social saldou-se com o abandono desordenado de práticas seculares como a língua familiar e o rito dominical.
Hoje somos 905.000 galegos (33% da populaçom) os que habitamos nas sete cidades do país, 1.431.000 se somamos os que residem em municípios periurbanos de mais de 20.000 habitantes. Esta cifra eleva a quota de urbanidade demográfica galega por cima do 51%. A perda de falantes -e da qualidade da fala, por simples rotura do fio de transmissom- está altamente correlacionada com o grau de urbanizaçom apontado. A prática do idioma refugia-se em municípios de menos de 10.000 habitantes que, embora sejam a imensa maioria (256 de 315) apenas acolhem o 30% da populaçom. Na Galiza, a paisagem segue sendo galeguista; é a paisanagem que vive e vota a que parece ter decidido arrombar a sua herdança histórica.



Nestas circunstáncias, qual é o galego que precisamos? A extinçom acelerada do galego de instalaçom por esvaziamento rural requer, opinamos, a sua reabilitaçom como idioma de opçom consciente, mais exigente e útil. A sua recuperaçom como instrumento apto para desempenhar as novas funçons que a urbanidade demanda, além da sua funçom identitária. O repto a abordar é o de transformar a língua de código de comunicaçom de circuito curto a idioma apto para percorrer um mundo que se entende no ubíquo inglês e começa a ensaiar o espanhol internacional. Precisamos um idioma com passaporte. O governo estremenho chegou á mesma conclusom antes que nós. Nom é de estranhar, Estremadura nom oculta nengum estigma nacional no faiado da casa que poda alertar á polícia ideológica de fronteira. A que nos defende dos nossos “demónios familiares”, esse fantasma á espreita que Franco conseguira conjurar com pólvora e chicote.
O português global é o nosso inevitável aliado para romper o medíocre papel de embaraçoso requisito curricular que se outorga ao nosso idioma e promovê-lo á categoria de instrumento de capacitaçom e progresso. Gostaria rememorar as intervençons de Camilo Nogueira perante o Plenário do Parlamento Europeu, reemitidas em directo á toda a ecúmena comunitária polos serviços lingüísticos da Cámara. Galego nas instituiçons internacionais? Na Europa já está. Só falta exercitar o direito e superar a insidiosa doença histórica da desmemória e a servidume voluntária que nos tolhe.

Afirmava Umberto Eco que o redactor de umha tese acadêmica deveria adoptar o papel de digno “funcionário da humanidade”. Admirável sentença que poderíamos talvez prolongar postulando para tam exegente missom um veículo adequado. Nom podem ser outro que o daqueles idiomas que tenham sabido conjugar densidade cultural e capacidade de difusom universal em toda e qualquer tipo de actividade social: do comércio á engenharia, da ciência ao pensamento e á comunicaçom global. O inglês -os diversos ingleses- cumpre os requisitos como os cumpre esse magnífico romance que é o castelhano. E também o galego-português -os diversos portugueses- que é já língua global normalizada em todo e qualquer uso. Possuímos um idioma demasiado grande como para confiá-lo á custódia de qualquer corporaçom por douta que ela seja, mormente agora que se vê ameaçado polas néscias práticas de agrimensura linguística e psicologia parental em que entretém os seus ócios essa Conselharia que por inércia denominamos de Cultura e Educaçom.
A soberania linguística do galego é o melhor estandarte das nossas aspiraçons colectivas agora que se reinicia o debate sempre latente da configuraçom plurinacional do Estado. Reclamamos a plena independência do idioma que possuímos e nos possui. Contamos para isso com umha vantagem suplementar: a cultura nom delinque nem é competência de nengum Tribunal Constitucional. Respeitados numerários da venerável RAG (1906), doutos membros do CCG (1983), som os senhores conscientes de que a Feira do Livro de Frankfurt que agora mesmo está a decorrer é dedicada este ano ao livro brasileiro?
Conhecem vocês a existência do canal internacional brasileiro Arte 1, dedicado integramente á emisom de contidos culturais? Nom acham que talvez tenha chegado o tempo de o galego deixar por um momento a casa dos avôs para conhecer a família? A vocês corresponde solicitar o devido passaporte agora que o governo designado para proteger o idioma pretende arrombá-lo com a desculpa de que ocupa demasiado espaço na minguada moradia urbana em que actualmente habita.

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